top of page
logo_semfilete_edited.png

TGS - Sem querer, resgatado pela tecnologia

Foto do escritor: Pedro JunqueiraPedro Junqueira

Muito além do desafio do coronavírus, que tanto impactou, e fatalmente, 2020 mexe, sem parar, sem fim, em como concebemos a rotina de tudo. Pois já é mais que na hora de aceitarmos, e nos motivarmos, com a mudança, que é permanente. Não tem mais sentido falar do retorno ao normal, se o normal era o mundo pré-pandemia. Pois naquele normal provavelmente já não estaríamos mais, com ou sem pandemia. Esta se tornou um acelerador da transformação que já estava em curso.

Que transformação? Para onde vamos?

Bom, como dizia um ministro antigo, o futuro tem como ofício a incerteza. Cabe a nós trabalhar com o futuro incerto que vai chegando cada vez mais rapidamente e surpreendentemente. Uma vez clara esta premissa, da certa incerteza do futuro, há aí, a olhos vistos, uma transformação galopante ocorrendo. Tal transformação, rumo a um futuro sempre incerto, não deixa de apresentar eixo e contornos bem definidos. O mundo pós-pandemia, principalmente no crescente e preponderante setor econômico de serviços, vem aí, mudando tudo, com destaque para a educação e os negócios. Resta saber até que ponto o estado e os governos ajudarão ou dificultarão.

Como assim?

Neste mundo em mutação, a mais adaptável perspectiva será aquela que antes de mais nada é dinâmica. Por exemplo, aprender a aprender o tempo todo será mais valioso. A novidade, estática, vai perder poder de permanência. A especialidade, parada, vai ser atropelada. O conhecimento diferenciado se sustentará somente se constantemente retroalimentado.

Nesta transformação pulsante, universidades e negócios, aqueles que sobreviverem, serão outros animais. Quem já notou o interesse diferenciado nascente no mercado de trabalho em jovens que não necessariamente têm diploma universitário? Porque muito do aprendizado determinante do profissional demandado deverá ser realizado a partir do seu dia a dia de trabalho, ad-hoc, na medida em que necessidades inéditas de resolução vão surgindo. Será esta capacidade dinâmica de aprender e de resolver, de forma frequente, variada e inovativa, que determinará a qualidade profissional.

A tecnologia permeia e avança em tudo. O mundo crescente dos serviços se torna cada vez mais digitalizado, mais online, e mais globalizado. Softwares se fazem gratuitos e produzíveis pelo não especialista. Mais e melhores serviços passam a ser oferecidos por pequenas empresas, ou mesmo indivíduos. Inovação se torna possível e frequente pelas mãos de produtores pulverizados. A capacidade de aprendizado contínuo vira então habilidade fundamental para sobrevivência e sucesso neste ecossistema dinâmico.

Como consequência, universidades, defendendo o seu valor, se integrarão muito mais com as empresas e o mercado de trabalho. Se empregar, ou empreender, e estudar, ocorrerão de forma concomitante e simbioticamente complementares. As empresas, por sua vez, parecem se encontrar em momento de turbilhão transformador, em iminência de uma radical restruturação sistêmica.

Quantos de nós iremos trabalhar de casa agora? Ou de qualquer lugar? Qual será no futuro, em breve, o racional para o vínculo empregatício tradicional permanente? As empresas tenderão a uma existência operacional mais como aglutinadores e gestores digitais de serviços prestados por profissionais semi-independentes, apoiados por inteligência artificial.

Na verdade, a transformação em curso ajustará o perfil recente valorizado de competências profissionais, consoante com este processo sempre dinâmico e inovador. Por exemplo, aquele conhecimento de um código de programação também precisará de constante renovação, para não mofar como habilidade em face da competição. Flexibilidade, diversificação, e mesmo generalização, ganharão apreciação neste contexto. Habilidades voltadas à criação, gestão e interação pessoal serão favorecidas, restabelecendo um laço vital com o aprendizado nos campos das humanidades (humanities).

E o que acontecerá então com as leis, as normas, os políticos, o judiciário, e o estado? Eis aí, como sempre, o susten(obs)táculo para que transformações fluam. Sendo uma transformação de causa tecnológica, de custos cada vez menos impeditivos, haverá cada vez mais uma tendência de independência para a sua ocorrência. Embora, no limite, um processo de desenvolvimento não possa prescindir de arcabouço regulatório e atuação da Justiça. Idealmente, a implementação efetiva deste arcabouço seria incremental, baseada na prática de mercado, e descomplicada. Assim, as transformações não param, mas suas velocidade e fluidez continuariam sendo impactadas pela ação do estado.

Porém, no Brasil, como sempre, dá para dificultar mais as coisas. Olhando para o estado em busca de transformações em linha com o abordado aqui, o quadro não é de entusiasmo, salvo algumas poucas iniciativas institucionais, como algumas recentemente adotadas pelo Banco Central. O estado no Brasil, por um lado, incorre despesas obrigatórias em um nível que inviabiliza qualquer gestão significativa de orçamento e, por outro lado, realiza serviços de baixa qualidade. Com a dívida pública alcançando 100% do valor do PIB, o qual tem o mesmo nível de vários anos atrás, o estado encontra-se financeiramente engessado, e piorando... Como diz o ditado, de onde menos se espera é de onde não virá mesmo.

Assim, no Brasil, país de forte participação do setor primário na economia, a transformação decorrente do avanço do impacto da tecnologia no setor de servicos também está ocorrendo, em estágio mais incipiente, apesar do estado, que é presa de sua própria falência e falta de capacidade política deliberativa. O brotamento de fintechs e othertechs, a desmaterialização dos meios de pagamento e dos títulos e documentos no mercado financeiro, a digitalização do comércio de varejo e de vários outros serviços, o Cubo do Itaú, o surgimento de hubs de empreendedorismo digital em lugares mais distantes de São Paulo, como Florianópolis, são alguns exemplos deste movimento. Mas falta aí, ainda, a integração neste processo das universidades públicas, representativas que são, no Brasil, do aprendizado do jovem profissional brasileiro.

Indaga-se, então, se a transformação decorrente do avanço da tecnologia, com sua força e dinâmica mais independentes, em um país como o Brasil, de dependência histórica do setor privado em relação ao estado, poderia ser mais radical ainda. Pois resultaria em um choque adicional, aquele que diminuiria a relevância da inepta política do país.

A tecnologia está aí e talvez até o Brasil volte a se desenvolver…

Comentarios


bottom of page