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TGS - Blues em Matão

Foto do escritor: Pedro JunqueiraPedro Junqueira

Em 29 de dezembro de 1968, AI-5 já valendo, desembarcam no porto do Rio, vindos de Lisboa, Mick Jagger e Keith Richards, e, mais graciosamente, Marianne Faithful e Anita Pallenberg. Dispensam ajudantes. Marianne fala um pouquinho de português. Pegam um táxi, rumam pra Copacabana, se instalam no Copa.

Jagger e Marianne vinham ao Brasil pela segunda vez. No começo de 1968 tinham estado no Rio, um pouco ciceroneados por Fernando Sabino, e também em Salvador, onde parece que Jagger teria testemunhado a lavagem do Bonfim, e se inspirado (mas será?) com o batuque. Mas agora, no ano novo carioca, Jagger e Marianne, Richards e Anita, se incomodavam com a quantidade de assédio. Acabaram saindo muito pouco, e disfarçados (como se fosse possível), do quarto do hotel. Parece que até lá dentro do quarto deles os deslumbrados brasileiros chegaram a pisar, com o roqueiro vocalista gritando e os pondo pra fora. A segurança no Copa sempre foi liberal.

Então veio o arranjo, à la antiga. Walther Moreira Salles tinha, entre outros, a fazenda Boa Vista, em Matão, SP, perto de Araraquara. Para lá, em grande contraste cultural, ficou providenciado que iriam os dois casais, muito em intuito de fuga mesmo. Jagger havia declarado que achava a música brasileira muito comercial (ora vejam só!). Queria o tal folclore, e um pouco de umbanda (raiz!).

Por lá em Matão ficaram, supostamente, umas duas semanas. No começo mais sigilosamente, mas depois começou a vazar. Tem algumas lendas-fato desta estada, que vão de quão « vestida » a bela Marianne recebia os jornais matutinos do porteiro, até às latinhas de cerveja inexistentes no Brasil de então, que frequentemente rodeavam Richards. Parece que estiveram em um terreiro em Araraquara e inventaram uma festa junina fora de hora, com fogos de artifício e sanfona, que sabiam, ou aprenderam, tocar.

Mas o mais importante ali ocorrido é a lenda-fato da composição da música Honky-Tonk Women, que depois se tornou Country Honk, uma das músicas mais famosas dos Stones e que fez parte do lendário álbum Let It Bleed, lançado na confusão existencial de 1969. O grupo certamente nasceu da paixão pelo blues, como tantas bandas inglesas nos anos 60. É o blues que re-uniu Jagger e Richards, que se conheciam desde garotinhos, na estação de trem de Dartford, com Keith carregando debaixo do braço dois álbuns, Chuck Berry e Muddy Waters.

honky-tonk é música raiz do sul e sudoeste americano. Ritmo, antes de mais nada. Piano velho e de algumas teclas não operacionais. Os bares com esta música e estes pianos. Deve vir lá dos tempos do barulho do trote dos cavalos e dos serviços femininos mais amplos nestes lugares. Honky-tonk seria talvez um estágio anterior de uma música bluesy.

Pois aí é que os fatos só podem ser inferidos. Na sua autobio, Life, de 2010, Richards afirma que ele e Jagger começaram a compor a música na fazenda, sentados na varanda como caubóis, pés no parapeito, se achando no Texas. Aquela que tinha sido talvez a maior fazenda de café no país devia ser um pouco diferente do Texas. Mas feeling não se discute. Richards vacilou foi ao afirmar no livro que estava no Mato Grosso quando compôs. Aí sim poderia ter um quê do Texas. Mas Matão não é Mato Grosso. Desconfia-se que os dois não davam muita bola para estes « detalhes ».

E não é que Walther Moreira Salles também tinha sua poderosa fazenda no Mato Grosso do pantanal, a fazenda Bodoquena, onde parece que caçava onças com seu sócio, David Rockefeller. E não é que os Stones também visitaram esta fazenda, segundo o próprio Instituto Moreira Salles. Fica então a suposição: Keith Richards sendo Keith Richards, muita coisa passou em sua cabeça até 2010, incluindo a transformação de Matão em Mato Grosso.

Em 5 de julho de 1969 ocorreu The Stones in the Park, no Hyde Park, em Londres. Meio milhão de pessoas lotou o concerto. Fazia mais de dois anos que eles não se apresentavam em público. Dois dias antes, Brian Jones, fundador e líder original da banda, e multiinstrumentalista, havia morrido afogado na piscina de sua casa, aos 27 anos de idade. Jones tinha sido o namorado de Anita, que o largou por Richards. Havia se tornado um pouco um outsider no grupo, e a heroína fazia parte. Jagger leu um tributo ao colega no início do concerto.


The Stones in the Park, Hyde Park

No Hyde Park os Stones tocaram muita coisa nova. Como de praxe, inseriram (I Can’t Get No) Satisfaction (há 55 anos they can’t go wrong with it!). Cantaram Honky Tonk Women. E a interpretação de Sympathy For The Devil durou 18 minutos, com a participação de bateristas africanos. Jagger, que havia passado um tempo em Arembepe, na Bahia, no ano anterior, chamou a música de samba.

Mas samba a música não é. Mick Jagger, que tanto veio ao Brasil, não se integrou musicalmente com o que vem daqui, como fizeram melhor Sting, e muito melhor Simon e Byrne. Os Stones se tornaram, desde sempre, a lengendária banda de rock. E com tino comercial que se apurou ao longo do tempo. Mas a alma deles nasceu do blues. E a homenagem ao Honky Tonk fez parte, e muito bem, a partir de Matão, o Texas do Brasil.

Outro dia recebi este vídeo abaixo. Por um instante achei que Richards e Jagger, quase octogenários, só no acústico, em toda a simplicidade, estavam de quarentena do corona. Mas na verdade a gravação foi um pouco anterior. Tocam e cantam genuinamente Country Honk. Vale a pena assistir, dar um break do mercado, do vírus e da eleição. Lyrics na sequência.

Country Honk

I'm sittin' in a bar tippling a jar in Jackson And on the street the summer sun it shines There's many a bar room queen I've had in Jackson But I just can't seen to drink you off my mind


It's those honky tonk women Gimme, gimme, gimme those honky tonk blues


I played a divorcee in New York City I had to put up some kind of a fight The lady then all dressed me up in roses She blew my nose and then she blew my mind


It's those honky tonk…

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