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M&P - O atraso, o mercado, o centrão e o crédito

Foto do escritor: Pedro JunqueiraPedro Junqueira

Arthur Lira, deputado federal do PP

Eleição municipal é fundamental em uma democracia, embora em nosso caso devamos calibrar muito bem nossas expectativas. Com tanta divisão e tão pouco orçamento, para não dizer a ausência do novo, restam mesmo somente as chances de alguma improvável gestão melhor do que a esperada. No atual estado de penúria de muito das instituições e do patrimônio estatais, bastaria um pequeno progresso. Às vezes acontece...

No Brasil, distorcida e nocivamente, o fluxo de boa parte dos recursos municipais passa de alguma forma primeiro por Brasília. De lá, já iniciamos o próximo ciclo no qual as coisas importantes vão finalmente começar a andar, mas sempre somente no futuro em breve. Agora, sem falta, já passamos a prometer para o final de 2021 aquilo que era para ontem. Quando se olha um pouco para trás, constata-se que há quase dez anos iniciamos os primeiros passos de uma trajetória política-econômica que, desta vez, ao chegarmos ao final de 2020, nos conduziu, de forma mais bem estabelecida, a um atraso grave. Ficamos para trás. Adeus pretensões de imaginar o nível econômico do brasileiro comparável ao do cidadão de Portugal e da Espanha, quiçá o da Coreia do Sul.

Talvez, depois do debacle da contração econômica do biênio 2015-2016, teria sido, sim, nas mãos do político dos políticos, o vice que assumiu, e que acabou por angariar os mais altos índices de rejeição, que algum degrau relevante de reformas estruturantes teria sido galgado. Mas tal possibilidade foi pelos ares naquele fatídico 17 de maio.

Nada contra a Lava-Jato, muito antes pelo contrário. A turma do “devido processo legal” nunca apresentou alternativa efetiva melhor, ou menos pior, se preferirem. Na prática, apenas funcionaram, consciente ou inconscientemente, como agentes do estamento. E na prática, na realidade do conjunto do sistema operacional legal e político brasileiro, seria no mínimo cinismo imaginar um avanço institucional sem que se detectasse contradições no meio do caminho. Apontá-las sempre foi fácil, e conveniente. Enquanto isto as tragédias da pobreza, da ineficiência e da injustiça econômica galopavam.

De um jeito ou de outro, rumamos para o lado perigoso. A eleição de 2018 foi uma eleição de rejeição, e não de preferência. Maus augúrios. O ministro da economia, muitas vezes durante sua carreira um investidor sábio e visionário de longo prazo, e historicamente uma voz crítica contundente dos feitos reais dos governos anteriores, incluindo o de FHC, agora entra em seu terceiro ano de incumbente com credibilidade um tanto diminuída, ainda prometendo um futuro, mas não realizando no presente. É hora de reconhecer, nem ele e nem muitos imersos no mundo do mercado souberam avaliar ou entender bem as forças maiores do estamento. Constatemos, não é simplesmente que o problema é o Centrão. É que na verdade o Centrão é o Brasil, e o Brasil é o Centrão.

Historicamente sempre entendemos que, uma vez à beira do precipício, reagimos. Nos conformamos que o Brasil, por conta da preponderância de um corporativismo e de um certo individualismo indiferente `a sociedade, só melhora piorando. Em tempos de abundância, logramos jogar fora as oportunidades, e acumulamos pecados devastadores para nosso futuro. Agora, cá estamos novamente à beira do abismo.

Deixando de lado alguns “detalhes”, como, por exemplo, a educação e a qualidade dos gastos públicos, temos nossa dívida pública nos céus, um déficit público bíblico, o governo sentindo os primeiros sinais de dificuldade de financiamento de longo prazo, inflação oficial do consumidor começando a dar as caras, produto e renda média diminutivos, e a mágica importada do juro real negativo chegando nos seus limites. E agora? O Brasil ainda acorda a tempo? O Centrão de 2021 nos salva do pior na hora h? Como?

Apesar de diagnósticos de abismos por aqui, no dia seguinte à eleição americana o mundo, incluindo o Brasil, entrou em uma dinâmica de dicotomia. Biden era o amplo favorito, mas acabou tendo uma vitória de atritos. O senado americano, que o mercado prefere que esteja nas mãos do partido oposto ao do executivo, agora ainda permanece indefinido. O desenvolvimento das vacinas continuou a avançar, mas isto era o esperado. E o vírus se alastrou pelo país. Em “contrapartida”, os mercados de ações subiram fortemente, por quase dez dias. Os índices estão em seus respectivos picos históricos, e o Nasdaq apresenta retorno no ano acima de 30%. Isto depois de um 2020 histórico de contração econômica e impacto estrutural que dispensa descrição, e a partir de níveis recordes ao final de 2019.

No Brasil, ignorando-se o vácuo atual em Brasília, nos dias depois da eleição americana registraram-se as maiores entradas no ano de investimento na B3 por parte do investidor estrangeiro. O Ibovespa subiu uns 10% desde o dia 4.

Então o que se passou? No Brasil não estávamos à beira do abismo? O mercado de ações é dissonante em relação à realidade da economia?

Pois é, as coisas não são unidirecionais assim. O movimento das ações das empresas de tecnologia, concentrado no mercado americano, além do chinês, encontra respaldo na transformação nos modus vivendi e operandi de indivíduos e empresas que se acelerou a partir da pandemia. A precificação destes ativos se torna mais especulativa, supostamente fundamentada em termos de nível e de crescimento de receitas, e não de lucro. As big techs asseguram posições de mercado muito vantajosas. Já no Brasil, por conta do comportamento do Real, os investimentos parecem extremadamente baratos para o estrangeiro, em uma economia que tenta voltar a crescer um pouco.

Mas isto é tudo?

De forma alguma. Embora possa estar ocorrendo algum aumento importante de produtividade em função da transformação tecnológica, a força maior dos mercados acionários tem uma outra explicação, óbvia, que é o nível dos juros, e uma complementar, que são os estímulos fiscais. Os juros, mundo afora, continuam quase nulos, negativos em termos reais. E o bônus de dez anos do tesouro americano, referência de mercado, quando ameaçou ter seu retorno um pouco elevado recentemente, mal passa de 0,9% ao ano. A revolução monetária dos QEs, posta em curso há doze anos, não dá sinais efetivos de acabar.

Desde que o Bernanke, então presidente do FED, tirou este coelho da cartola em 2008, o mundo passou a girar turbinado pelo Quantitative Easing. Os Bancos Centrais abaixam as taxas de juro até perto de zero e compram títulos públicos e privados, inundando o mercado de liquidez. No Brasil os juros nominais não chegaram a zero, mas se tornaram negativos em termos reais. Por razões estruturais e em função da capacidade ociosa, a inflação permanece baixa, pelo menos a inflação do consumidor, viabilizando, ou mesmo causando a continuidade das políticas de QE.

Assim, em função da baixa, ou negativa rentabilidade dos títulos públicos, ocorre um movimento tectônico na alocação de investimentos. Busca-se mais retorno, investe-se em mais risco, compra-se ações e outros títulos privados. Com isto, o capital se torna mais inteligente, melhorando sua alocação sistêmica. No Brasil, em sintonia com a grande transformação tecnológica das instituições financeiras e uma mini revolução educacional do investidor, é o comportamento dos juros que explica a multiplicação dos investidores e a diversificação dos investimentos, dando relevante sustentação ao mercado de ações, mesmo perante os perigos fiscais.

E além dos QEs e da inflação baixa, em 2020, em função do choque contracionista nas economias a partir do advento epidemiológico, os governos de muitos países, em atitude que deixaria Keynes muito satisfeito, partiram para o gasto fiscal, pouco importando onde já se encontrava os níveis de dívida ou de déficit fiscais. Os estímulos mitigaram o choque de demanda, atenuando o tamanho do desemprego e a redução do PIB. Mas em um país como os EUA, destes estímulos especula-se que ainda sobraram uns bons trocados para investimentos de pessoas físicas. Parte dos estímulos teria ido para as ações do Nasdaq.

No Brasil, com o impulso político, o estímulo fiscal saiu relativamente grande no consolidado. De fato providencial para aqueles que mais precisam, que são parte relevante da população, o estímulo, por outro lado, somou-se aos números já frágeis do quadro fiscal. Neste sentido o abismo ficou ainda mais perto. E a economia ainda permanece bastante ociosa.

Pois é aí que retornamos ao Centrão. O movimento recente, pós-eleição americana, nos mercados de ações revela a enorme poupança global que ainda não tocou em risco, apesar da constante tentação. O Brasil, bem barato, ainda pode fazer parte, mínima que seja, da alocação estrangeira. Do lado doméstico, títulos públicos que rendem 2% nominal mantêm o investidor atraído por mais risco. Assim, além do mercado de ações, o crédito privado começa a avançar no país. A expansão do crédito privado é o motor potencial mais poderoso para a economia brasileira.

Daí a necessidade crucial de não se encarecer o custo de financiamento no país, que tanto demorou para atingir níveis viáveis para o tomador de crédito. Se entre inflação e desempenho fiscal começarmos a desandar, levando o Banco Central a elevar os juros e a brigar com a preponderância fiscal, corremos este sério risco de inviabilização de um mercado de crédito privado robusto no país. Um círculo vicioso e de retrocesso. Alô Argentina...

Diminuir custos e/ou aumentar a arrecadação, além de melhorar a qualidade de gastos e a qualidade de arrecadação fiscais. Reformas com credibilidade. Dependemos do Centrão, e logo. Olha o penhasco. Tem chance?

Bom voto e boas eleições!

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