FE - The Securitization Dilemma
- Pedro Junqueira
- 21 de set. de 2020
- 4 min de leitura

A tecnologia corre a galope e transforma tudo. Comportamento, preferências, conhecimento, informação, oferta, negócios, ferramentas, produtividade, competências. Não é diferente no mercado de securitização. Pelo contrário, sendo a própria securitização resultante de uma conexão direta envolvendo carteiras, frequentemente pulverizadas e dinâmicas, e investidores, muitas vezes também pulverizados, dados, análise e processamento intensivos, modelos programáveis e o espaço digital são características de crescente destaque neste segmento.
O principal veículo do mercado de securitização brasileiro é o FIDC. Por sua vez, um segmento de destaque dentro do mercado de FIDC é o de fundos Multicedentes Multisacados (MCMS), responsável pelo atendimento de funding de parcela importante do universo de pequenas e médias empresas no Brasil. Desafiante que tenha sido sua trajetória histórica, é no segmento MCMS que reside muito da inteligência de crédito privado e de securitização no país. Afinal de contas, muitas destas operações são estruturadas com carteiras amplamente diversificadas, com reforços de crédito estruturais e com alinhamento de interesses entre investidores terceiros e o gestor.
Como tem a tecnologia afetado e formado o mercado de FIDC MCMS?
A duplicata é um instrumento largamente utilizado e representativo de direitos creditórios em carteiras de FIDC MCMS. A duplicata escritural já está aí, com sua regulação, assim como o advento do registro centralizado deste tipo de ativo. Os direitos creditórios oriundos em fluxo de pagamento de cartão de crédito idem. Não há aí uma iminente tendência a um modus operandi mais automatizado? Mas direitos creditórios digitalizados e registrados de forma centralizada (com forte mitigação do risco de duplicidade e fraude) não deveriam ser apenas um começo de uma transformação potencial de base tecnológica, a qual expandiria o alcance das operações de securitização, ou, no caso, dos FIDC MCMS? Mas que tipo de expansão?
A gestão de FIDC MCMS é uma função altamente dinâmica. Na verdade, a atuação real de gestão de FIDC MCMS permanece sendo exercida, em boa parte, por consultores, pois não são tantos destes que já são credenciados como gestores junto `a CVM. A próxima norma do mercado de FIDC, cuja audiência pública permanece “quase se iniciando” já há algum tempo, deve contemplar esta questão. Mas qual o uso atual de tecnologia por aquele que exerce a gestão de um FIDC MCMS? O quanto este uso pode crescer? Qual será o impacto então neste segmento, na composição de suas carteiras, e no perfil de funding provido por estes fundos no universo de pequenas e médias empresas?
As carteiras de FIDC MCMS, tais quais se apresentam hoje, são compostas quase que exclusivamente por recebíveis comerciais de prazo de 30 a 60 dias, de forma pulverizada, tanto em termos de devedores como de cedentes, naturalmente com um número muito maior dos primeiros que dos últimos. Mas quase sempre o risco de crédito se refere aos dois, tanto os devedores, que são aqueles que compraram a prazo um produto ou serviço, quanto os cedentes, que se comprometem à substituição ou recompra do recebível comercial que venha a não ser pago, e que são aqueles que venderam a prazo o produto ou serviço. Normalmente, por racionalidade econômica, a relação comercial do fundo se fundamenta no universo de cedentes dos direitos creditórios.
Dada esta estrutura operacional, o gestor/consultor de um FIDC MCMS constrói e detém inteligência comercial sobre as empresas cedentes. Para facilitar e sermos mais precisos, imaginemos um FIDC MCMS de dimensão top 10 no mercado brasileiro atual. Em geral, a gestão deste fundo concentra sua atuação no monitoramento da inadimplência referente aos recebíveis comerciais que compõem a carteira deste fundo, da atividade de recompra e de substituição, do nível de liquidez, e dos prazos e dos eventuais descasamentos relevantes.
Este tipo de inteligência, somado ao estoque de inteligência comercial, determinam muito da estratégia de seleção e precificação (taxas de desconto) de novos recebíveis comerciais, em um modus operandi de alta revolvência. Ao mesmo tempo, no âmbito de sua estratégia comercial, há na equipe de gestão do fundo um contínuo esforço de aquisição de novos clientes sendo realizado. A estratégia de aquisição de clientes tem sua base de inteligência para maximizar seu próprio desempenho, que por sua vez interage com a inteligência do monitoramento de carteira.
O gestor também tem um óbvio olho para os custos operacionais do fundo, o custo de passivo, se houver alavancagem, com classe de cotistas sênior e/ou mezanino, e, claro, a rentabilidade do subordinado.
Fica claro assim os ganhos potenciais que o desenvolvimento de tecnologia, a modelagem, e o uso de volume crescente de dados podem trazer para o gestor de um FIDC MCMS. De certa forma, pode-se afirmar que o próprio avanço neste sentido levaria um gestor de FIDC MCMS a atingir determinado nível de capacitação e conhecimento que o possibilitaria a ampliar o escopo de seus negócios, na mesma linha do que vem acontecendo com outras empresas de serviços financeiros de base digital.
Mas antes disto, um desdobramento mais natural seria um FIDC MCMS se capacitar para a composição de suas carteiras com participação relevante de direitos creditórios de prazo mais longo, não dependentes de recebíveis comerciais performados, mais na linha do que se chama neste mercado de “financiamento”. Seria um novo patamar de atuação dos FIDC junto ao universo de pequenas e médias empresas no país, que representam, senão a metade de nosso PIB, muito mais da metade de nossa força de trabalho.
A tecnologia vem aí. Assistam ao novo documentário “O Dilema das Redes”, muito bom. Mas, aconteça o que acontecer, a digitalização, a programação, a automação, a estatística, o big data e a inteligência artificial estão aí. Vamos tentar seu lado virtuoso.
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