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FE – Securitização imobiliária e the golden age…

  • Foto do escritor: Pedro Junqueira
    Pedro Junqueira
  • 7 de out. de 2020
  • 7 min de leitura

The Golden Age, por Pietro da Cortona

Há correlação entre nível de desenvolvimento de mercado de financiamento imobiliário e a forma preponderante de intermediação financeira através da qual se realiza este tipo de financiamento? Economicamente, há uma melhor forma de intermediação financeira voltada para o setor imobiliário? Com a intensificação do uso de tecnologia, as respostas a estas perguntas se alteram, ou se reforçam?

Historicamente, os não abundantes créditos imobiliários no Brasil compuseram, preponderantemente, balanços de instituições financeiras, veículos estatais e incorporadoras imobiliárias. As instituições financeiras, que, ao longo do tempo, cresceram muito em termos de balanço e rentabilidade, e decresceram muito em termos de número, financiaram aquilo que emprestaram, e muito daquilo que não emprestaram para este setor, através de instrumentos de captação barata e exclusiva: caderneta de poupança e Letras imobiliárias.

A caderneta de poupança, a mais barata, se viabilizando através da combinação da ausência de oferta de instrumento mais rentável para o poupador com a precária educação financeira deste. As Letras, de lastro mais manipulável, se viabilizando através do atrativo da liquidez para o investidor. Ambas isentas de tributação para o investidor. Ambas garantidas pelo FGC. Ambas sempre descasadas do seu suposto lastro em relação ao prazo e muitas vezes descasadas também em relação ao indexador de remuneração. Ambas somando muito mais em montante que o efetivo crédito imobiliário originado direcionado ou componente de seu lastro.

O financiamento imobiliário não se desenvolveu por aí. Mesmo levando-se em conta nossos percalços e condições adversas, jurídicas e macroeconômicas, não se pode afirmar que nossas instituições financeiras tenham desenvolvido competência diferenciada na atividade de financiador do segmento habitacional de tal forma que se justificasse o subsídio presente nos seus instrumentos exclusivos de captação.

As incorporadoras e construtoras, por sobrevivência no Brasil, se verticalizaram e atuaram como financiadoras, como se fossem também especialistas em crédito, como condição necessária para realizar o que de fato sabem fazer, construir e vender imóveis. Apesar de alguns poucos movimentos no sentido de se tornarem instituições financeiras também, estas empresas gritam claro que a atividade de conceder crédito não é o seu métier, muito antes pelo contrário, trata-se de uma aberração que toma conta e atrapalha o seu core business.

Pois vamos então andar no tempo e falar sobre o desempenho de uma outra fonte, que por aqui ganha moderada relevância nos últimos tempos. Trata-se na verdade de algo maior que uma fonte, pois se configura como uma outra forma de intermediação financeira: a securitização imobiliária.

A maioria do mercado de securitização imobiliária no Brasil se desenvolveu através de operações de emissões de CRI, um título de crédito estruturado. Operações de FIDC, um animal bem distinto, que emite cotas e não dívida, representam um segundo lugar distante. As securitizadoras imobiliárias são as empresas que emitem CRI, tudo tornado viável a partir da Lei 9.514/97, que criou várias inovações jurídicas, com destaque para o regime fiduciário e a alienação fiduciária.

As securitizadoras imobiliárias fazem o que podem, mas trata-se de um tough business em termos de rentabilidade. Primeiro, vivemos no Brasil, e as variáveis macroeconômicas não ajudam. Segundo, diferentemente do que ocorre nos EUA, no Brasil todas as operações são private-label, com risco de crédito. Terceiro, cá estão os bancos, com suas captações subsidiadas e duplicadas, que, ao invés de atuar como cedentes, competem com a securitização, ou melhor, se sobrepõem a esta, com muito mais poder econômico.

As securitizadoras contam a seu favor com o instrumento do regime fiduciário, que traz vantagens operacionais, tornando o business escalonável. Mas haja escala necessária! Os FIDC, agora, quando finalmente o regulador entender o que se quis com a Lei de Liberdade Econômica, indicam também poder passar a contar com a segregação de ativos equivalente ao efeito do regime fiduciário. Os próprios bancos, que fizeram acontecer a criação da LIG, com vantagens especiais, também agora contam com uma norma específica que viabiliza a efetiva segregação de ativos, embora, na prática, parecem ainda não terem dado conta de atrair o investidor de longo prazo, ou de observar o resto que veio junto na norma.

As securitizadoras, teoricamente, têm a vantagem da isenção fiscal do investidor de CRI pessoa física, barateando a sua captação. Mas é só vantagem ou é limitador dimensional de mercado? Uma rentabilidade relativamente mais baixa desinteressa o investidor institucional? Onde está o volume no mercado de investidores? E o tempo necessário e a capacidade para a análise de risco responsável, o investidor pessoa física tem? A compra direta, por um investidor pessoa física, de um CRI estruturado, aquele com lastro pulverizado de créditos habitacionais, ajudou, ou ajudará, o desenvolvimento saudável e de monta do financiamento imobiliário no Brasil?

Bom, vejamos, com um pouco mais de detalhe, como tem sido a vida econômica das securitizadoras.

A realidade atual, até hoje, no que diz respeito a um crescimento substantivo e robusto dos balanços das securitizadoras imobiliárias através de emissões de CRI lastreados em carteiras pulverizadas, foi desafiante. Agora com todas as principais independentes das grandes instituições financeiras, algumas destas empresas passaram por algum movimento de consolidação ou por venda de controle acionário para grupo estrangeiro, o que tende a ser boa notícia. Mas a escala e a rentabilidade própria em suas operações pulverizadas ainda não empolgam. Entre preço e risco da carteira, custo operacional e de servicer, e receita de estruturação e administrativa, a equação mal fecha. As securitizadoras não têm capital relevante e ainda existe uma danosa jabuticaba legal que impossibilita o isolamento de passivos trabalhistas e fiscais dos regimes fiduciários instituídos. Só o Brasil…

Algumas securitizadoras partiram para os segmentos de loteamento e propriedade múltipla, sob os limites do possível. Outras, e se apoiando muito no mercado corporativo, se fortalecem evitando o custo de distribuição, aí inclusive com uma bem-vinda ajuda recente do marco regulatório. Ainda outras fazem parte de um grupo maior, que atua em gestão, de forma muito mais rentável, ou que atua com capital próprio, em investimentos greenfield, ou até em um pouco de warehousing, e depois utilizam-se da securitização ou de FII para a saída de boa parte de seus investimentos. Há também as expansões, através de empresas irmãs, no mercado de securitização do agronegócio, buscando-se alguma eficiência de sinergia. Por fim, há as operações que já chegam quase prontas, da carteira-lastro originada ao investidor, normalmente através de uma Asset, cabendo à securitizadora apenas fornecer sua condição jurídica, de securitizadora imobiliária, barateando custos, mas diminuindo bem receitas e a própria capacitação.

A avaliação sobre a viabilidade econômico-financeira das securitizadoras imobiliárias, que são os veículos centrais na estrutura deste tipo de operação de securitização, é fundamental no contexto da discussão do potencial deste segmento no desenvolvimento do mercado de financiamento habitacional. Há uma audiência pública da CVM, em curso neste momento, tratando exatamente sobre as securitizadoras, a qual intenciona ajustar a norma para melhor customizá-la para este tipo de empresa e negócio, visando reduzir o seu custo de observância. Porém, algo mais substancial seria necessário se se busca efetivamente uma mudança de patamar na participação e no volume das securitizadoras imobiliarias no financiamento habitacional. Mas isto é ambição institucional de país desenvolvido…

Vimos no post anterior que nos EUA, a partir de uma visão clara da importância do financiamento residencial acessível para a economia, para uma melhor distribuição de riqueza, para a própria cultura e a democracia, um arranjo com apoio creditício do governo sempre se fez necessário. Tal arranjo, lá, focou no mercado de securitização. E tal arranjo, lá, teve êxito não só em entregar o financiamento residencial acessível e democrático, como também em catalisar o desenvolvimento robusto do mercado de securitização, inclusive muito além do apoio governamental.

Por aqui houve muito mais discurso empolgado e muito menos conhecimento de causa e avanço prático. Existem alguns caminhos. Todos passam antes pelo conhecimento e pelo desenvolvimento institucional, com variações em termos de ações catalisadoras possíveis. Mas um ponto de partida consistente, em analogia com o que ocorre nos EUA, parece indiscutível. E qual seria? O foco deve ser o tomador e seu custo, a qualidade de crédito e da garantia, a padronização e rapidez da recuperação e monetização da garantia, a construção de dados, e a oferta disponível de recursos.

Indo mais longe, em tempos de saída e aprendizado de pandemia, há que se por em prática uma política habitacional sustentável e inteligente, verdadeiramente integrada à vida das cidades, e valorizando o que já existe e requer reformas, manutenção e vida. A guetificação habitacional barata, tão explícita no contexto do Minha Casa Minha Vida, não é solução séria para a habitação.

Porém, vivemos tempos em que já começa a fazer sentido apostar que as virtudes da tecnologia mais que compensarão os vícios da política. E isto também se aplica aos prospectos, nesta terra, da securitização imobiliária. A tecnologia se provará um vetor de crescimento poderoso em nosso mercado.

A tecnologia já vem se intensificando e transformando o mercado de securitização imobiliária. Em primeiro lugar, a tecnologia vem alterando o negócio de originacao, através da atuação de empresas de crédito no espaço digital. Isto, por sua vez, caso faça parte do modelo de negócios do originador, aumenta a oferta para cessão do crédito imobiliário, adquiríveis pelos veículos de securitização. Adicionalmente, a tecnologia vem diminuindo o custo operacional no que tange ao registro do lastro e das garantias nas operações de securitização, e ao próprio processo de execução destas garantias, na medida em que estes processos passem a ocorrer no espaço digital.

Além disto, a produção e a divulgação de dados de desempenho e de valor será muito mais rica e tempestiva, potencializando este tipo de inteligência e seu uso, com modelos estatísticos e de precificação muito mais precisos. A partir daí, como vivenciado por qualquer profissional que tenha interagido com o investidor estrangeiro, este último finalmente começará a nos levar um pouco mais a sério. Inteligência de dados é condição sine qua non para o envolvimento do investidor estrangeiro. E é este que fará a diferença em montante.

Tudo isto, juntamente com a respectiva especialização profissional, aumentará o valor agregado da tecnologia de securitização enquanto forma de intermediação financeira. É enriquecedor olhar, mais uma vez, para o desenvolvido mercado americano de securitização e o seu uso de tecnologia.

Sem exibir risco de crédito, os Agency RMBS apresentam somente risco de custo de oportunidade, em função de movimentações na curva de juros e de pré-pagamento. Por isto mesmo existe uma enorme capacitação profissional dedicada à análise, programação, modelagem e trading dos Agency RMBS e de seus derivados. A inteligência e gestão de dados (big data) é fundamental neste tipo de trabalho, alimentando os algoritmos de precificação.

Já os títulos de private-label, com risco de crédito, implicam em modelos de precificação que levam em conta não só a expectativa de pré-pagamentos voluntários, como a expectativa de pré-pagamentos involuntários (decorrentes da execução e monetização de garantias), além da inadimplência final. A demanda por dados históricos e por modelagem é enorme.

Eis, assim, a oportunidade no Brasil, via avanço tecnológico, para que estruturadores e gestores, além de originadores, se habilitem de forma diferenciada como especialistas. Se tivesse que apostar, não seria nas instituições financeiras tradicionais que enxergaria esta especialização acontecendo. E penso que será sob o comando destes especialistas que muito da intermediação financeira, incluindo aquela que financia o setor imobiliário, se realizará. Não sei se já notaram, mas já vivemos the golden age do pensamento turbinado pela tecnologia. Se preparem. Tudo vai mudar…

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