18 anos depois alcançamos o Tarzan
- Pedro Junqueira
- 12 de ago. de 2020
- 6 min de leitura

Em 1932, dez anos depois do Tarzan, ou Johnny Weissmuller, quebrar a barreira do um minuto nos 100m livre, um garoto paulistano, de família alemã, começava a treinar natação em um dos cochos montados no rio Pinheiros pelo clube Germânia. Willy Otto Jordan, então com doze anos, iniciava sua longa carreira de nadador. Juntamente com sua coetânea Piedade Coutinho, que começou a brilhar a partir de 1935, estes dois longevos da natação brasileira representariam o melhor e mais duradouro de nossas piscinas nas competições internacionais da década de 40 e começo de 50.
No final da década de 30, Willy Otto já se tornara o principal nome da natação paulista e líder do nascente grupo de atletas aquáticos do Germânia, futuro Pinheiros. O Germânia, sob a orientação do técnico-filósofo Ken-Ichi Sato, e o Fluminense, sob a maestria do técnico Cachimbau, dominaram o cenário aquático do nosso passado. Em 1938, no Minas Tênis Clube, em uma das muitas inaugurações de piscinas das quais Willy Otto participou, ele bateu, nos 100m livre, Manoel Villar, o conhecido veterano nadador. Manoel, olímpico de Los Angeles e Berlim, e héroi do Sul-Americano de 1935, no Rio, ainda se encontrava em forma e com vários recordes vigentes.
No ano de 1939, nossa estrela maior como velocista do nado livre se chamava Armando Freitas. Este rubro-negro iria ajudar seu clube, sem piscina própria até a década de 60, a conquistar o famoso tricampeonato carioca de 1938/39/40. Este feito do Flamengo está consagrado em sua história, já que transcorreriam outras três décadas antes do clube ameaçar a supremacia tricolor novamente. Armando, campeão brasileiro em 39, conquistaria o ouro dos 100m livre no Sul-Americano daquele ano, em Guayaquil, no Equador. Este feito foi muito comemorado e falado, e o Brasil só voltaria a dominar esta prova clássica da natação no final da década de 50, já com Manoel dos Santos. O entusiamo com a performance de Armando foi tanto que o Flamengo passou a atribuir a ele, erroneamente, a glória de ter rompido, pela primeira vez no continente, a barreira do um minuto.

Em março de 1940 baixaram no Brasil, para um tour de exibições, os nadadores japoneses Masanori Yusa e Tetsuo Hamuro e, a tira-colo, o técnico Takashiro Saito, este último conhecido íntimo da nossa Marinha. Os japoneses eram os melhores nadadores do mundo, domínio absoluto em Los Angeles, em 32, e domínio relativo em Berlim, em 36. Infelizmente, as planejadas olimpíadas de Tóquio, em 40, já tinham ido para o brejo naquela altura, mas a aura de deuses aquáticos ainda pairava sobre a cabeça dos nipônicos. Yusa, nadador do livre, tinha sido ouro e prata em Berlim, e Hamuro, peitista, tinha sido ouro na mesma olimpíada. Foram organizadas quatro competições em Marília, São Paulo e Santos, e escalados os irmãos Jordan, Willy Otto e Winnfried, para encarar as feras japonesas. Com o passar da semana de torneios, Willy Otto foi melhorando seus tempos. Quebrou o recorde sul-americano de Manoel Villar dos 200m livre e, na última competição, em Santos, teve a audácia de empatar (ganhar, na opinião dele) com Hamuro nos 100m peito, com direito a outro recorde sul-americano, com o tempo de 1m11s3, e chegar junto em Yusa nos 100m livre, com nova marca nacional de 1m0s3. Bateu na trave da almejada barreira do um minuto. Terminado o longo duelo contra os campeões olímpicos, Willy Otto teve seu status de nadador elevado em toda a imprensa e público, que prestigiaram a série de competições.
Um mês depois Willy Otto foi destaque absoluto do campeonato brasileiro de 1940. Campeão brasileiro pela primeira vez, ele levou o ouro nas provas de peito e dos 100m livre, além das provas de revezamento. O esperado embate contra Armando Freitas, nos 100m livre, não aconteceu. O tricampeão carioca um mês antes não compareceu no campeonato brasileiro, na piscina do Guanabara. Alguns concluíram que teria havido afinação.
Na sequência, foi formada uma seleção brasileira para competir contra outros países sul-americanos, por ocasião da inauguração do estádio do Pacaembu e sua piscina adjunta. Lá, sob os olhos do interventor Adhemar de Barros, Willy Otto enfrentou, pela primeira vez, seus adversários sul-americanos, incluindo os portenhos que eram mais fortes que os brazucas.
No dia 29 de dezembro de 1940 chegou o nosso momento weissmulleriano. Na véspera, na coluna de esportes do jornal O Estado de São Paulo, um pedido de liberação da piscina do Clube Libanês era feito aos seus sócios, visando a tomada de tempo especial dos azes da natação paulistana. No dia seguinte, na primeira página do jornal, eram anunciados os aterrorizantes bombardeios de Londres pela Luftwaffe. Algumas páginas adiante, o título na secção de esportes era mais positivo. “Auspicioso Concurso de Natação” descrevia os feitos notáveis dos atletas do Germânia. Primeiro, o sucesso da tentativa de quebra de recorde sul-americano do revezamento 4x100m livre, trazendo para o Brasil, pela primeira vez na história, um recorde de equipe. Todas as passagens foram devidamente cronometradas pelos juízes oficiais, e Willy Otto, o mais rápido, fechou com 1 minuto cravado, passando os 50m com 28s1. Quarenta minutos depois ele voltou para a piscina para a tentativa individual. O recorde sul-americano dos 100m livre tinha sido do argentino Alberto Zorrila, de 1925 até janeiro de 1939, com o tempo de 1m0s6. O equatoriano Luís Alcivar Elizalde tinha então baixado a marca para 1m0s1. Teria sido muito difícil o próximo felizardo não apagar de vez aquele dígito supérfluo precedendo o m do minuto. Dito e feito. Willy Otto marcou 13s nos 25m, 28s nos 50m, 43s7 nos 75m e finalizou em 59s7. Com um atraso de 18 anos, nós brasileiros superávamos a mais clássica das barreiras psicológicas temporais da história da natação.
Um detalhe importante que deve ser mencionado. Apesar da quebra do um minuto ter se dado na piscina de 25m do Libanês, as viradas do nado livre na época de Willy Otto ainda eram executadas sem a cambalhota. O regulamento então determinava que era necessário o toque de mão na virada. Mais tarde, ficou comum o toque, ou raspada, de mão, juntamente com a cambalhota espremida, como aconteceu no recorde de Manoel dos Santos, em 61. Mas Willy Otto ainda virava por cima, como a virada moderna do borboleta e peito. Esta técnica já era um avanço comparada com a rotação no eixo horizontal da época do Tarzan, dezoito anos antes.
Com os recordes do peito e livre nas mãos e a performance sub-minuto propagandeada continente afora, Willy Otto chegou em Vina del Mar, Chile, em fevereiro de 1941, para o campeonato sul-americano, como a grande sensação do torneio. O peso das expectativas acabou atrapalhando um pouco. A viagem até o Chile envolveu a logística típica dos anos pré-guerra. Navio até Buenos Aires, trem até Mendoza, ônibus para atravessar os Andes, e trem novamente até o destino final. Quase dez dias depois do embarque, sem nem ao menos os exercícios a seco para se manter a forma, nossa seleção chegou no litoral chileno e pode usufruir de uma piscina. Para recuperar o tempo perdido, havia sido programada uma semana extra no local para treinamentos antes do início do campeonato. Mas para Willy Otto ainda viria mais um obstáculo, tão comum entre nossos nadadores de seleção em suas viagens internacionais durante o século passado: um repentino desarranjo intestinal. Mesmo assim saíram duas pratas e um bronze individual, e mais um ouro e prata em revezamentos. Nos 100m livre, nosso recordista perdeu para o ex-recordista Elizalde, todo mundo acima do um minuto. No final das provas e do campeonato, nosso primeiro título sul-americano, como equipe nacional, no masculino e no geral.

As comemorações de nossa vitória foram prolongadas e duraram várias paradas no trecho de volta ao Brasil, até o gran finale da recepção no Rio de Janeiro. E os melhores nadadores de cada país em Vina del Mar foram convidados pelos americanos para uma viagem de competições e homenagens nos Estados Unidos. Dentre os selecionados, três brasileiros, a recordista mundial Maria Lenk, o nosso grande costista da década de 40 e tricolor carioca, Paulo Fonseca e Silva, e Willy Otto. Foi a primeira viagem deste tipo para nadadores brasileiros. Quando eles rumavam ao norte, tiveram que ancorar no Trinidad Tobago e esperar por uma espécie de comboio protetor de um destroyer americano. É que o país de Yusa e Hamuro tinham acabado de detonar Pearl Harbor. A estadia nos Estados Unidos foi um sucesso de recordes, convites e chaves de cidade entregues à delegação. Maria Lenk, terminando sua carreira e enveredando-se pelos estudos acadêmicos, impressionou a todos com seu estilo pioneiro de peito-butterfly e deixou vários recordes em jardas. Willy Otto ainda estava no começo de suas peripécias e milhagem internacionais.
Continua...
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